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Asseidade Divina: O Fundamento da Sua Autoexistência

Representação simbólica de um ancião com olhar voltado aos céus sob um pôr do sol resplandecente, ilustrando a grandeza, eternidade e autoexistência de Deus.
Quem é Deus em sua essência mais fundamental? Antes de discutirmos Seu poder, amor, justiça ou qualquer outro atributo, precisamos reconhecer aquilo que torna possível tudo o que Deus é: a asseidade. Este conceito, frequentemente negligenciado em exposições teológicas populares, revela a singularidade absoluta do Ser divino — Aquele que existe de Si mesmo, sem depender de nada nem de ninguém.

A doutrina da asseidade, apesar de seu nome técnico, é o alicerce sobre o qual repousa toda a teologia cristã. Sem a asseidade, todos os outros atributos divinos estariam pendentes da criação ou de causas externas. Ao estudarmos esta doutrina, entramos em uma das mais profundas e reverentes contemplações da realidade de Deus.

O QUE É ASSEIDADE?


O termo “asseidade” deriva do latim a se, que significa “de si mesmo”. Na teologia, a asseidade de Deus é a Sua autoexistência absoluta: Ele é Aquele cujo Ser provém unicamente de Si mesmo, sendo, portanto, incriado, independente e eterno.

Contudo, é importante frisar que por autoexistência não podemos entender o mesmo que ser autocausado. Como bem observou Norman Geisler (1932–2019): “É impossível causar a própria existência, visto que uma causa é ontologicamente anterior ao seu efeito, e algo não pode ser ontologicamente anterior a si mesmo. Portanto, um Ser autoexistente não é autocausado, mas sim não-causado”.¹

Esse esclarecimento é essencial para evitar algumas confusões. Deus não surgiu de nada e tampouco se fez existir: Ele simplesmente é.

ASSEIDADE: UM ATRIBUTO INCOMUNICÁVEL


Na Teologia Sistemática, a asseidade é classificada como um atributo incomunicável — ou seja, que não pode ser compartilhado com nenhuma criatura, seja humana, angelical ou qualquer outra. Isso porque todos os demais seres possuem uma existência derivada. Somos contingentes, dependemos de causas, contextos e condições.

Deus, por outro lado, existe em Si mesmo e de Si mesmo. Ele é o único Ser necessário, enquanto todo o restante é contingente. Sua existência não depende de espaço, tempo, matéria ou qualquer coisa externa a Ele.

FUNDAMENTO BÍBLICO DA ASSEIDADE


A doutrina da asseidade está profundamente enraizada nas Escrituras. Destacaremos, assim, dois eixos principais:

1. Deus Existe Antes e Independente da Criação

Segundo a descrição bíblica, Deus é apresentado como existente antes da criação do tempo e do espaço. O salmista declara que “antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, sim, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2).

Apóstolo de Jesus Cristo, João também ecoa essa verdade no prólogo de seu evangelho: “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.1-3).

2. Deus é Sustentador de Tudo o Que Existe

A Escritura também afirma que todas as coisas existem por Ele e para Ele:

  • “Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas” (Rm 11.36);
  • “Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste” (Cl 1.17);
  • “Deus [...] por quem e por meio de quem tudo existe” (Hb 2.10); e
  • “Por tua vontade elas foram criadas e existem” (Ap 4.11).

Estes textos não apenas fundamentam a autoexistência divina, mas também revelam Sua absoluta soberania e independência em relação a tudo que foi criado por Ele.

A ASSEIDADE E A ETERNIDADE DE DEUS


A asseidade de Deus está intimamente ligada à Sua eternidade. Nesse sentido, o puritano Stephen Charnock (1628–1680) observa que “Deus é sem começo. ‘No princípio’ Deus criou o mundo (Gn 1.1). Deus era, então, antes do começo do mundo. [...] Que ponto pode ser fixado em que Deus começou, se Ele era antes do começo das coisas criadas? Deus era sem começo, entretanto, todas as outras coisas tiveram o tempo e o começo Dele”.²

Essa reflexão reforça que Deus não está dentro do tempo; pois Ele o criou. Sua existência eterna é imutável, necessária e autojustificada. Para saber mais sobre o que realmente significa o atributo da eternidade divina, clique aqui.

A ASSEIDADE E A INDEPENDÊNCIA DIVINA


Falar em autoexistência implica em uma verdade ainda mais profunda: Deus é absolutamente independente. Isso significa que Deus:

  1. Não depende da criação para existir;
  2. Não precisa de nada para ser completo; e
  3. Não carece de adoração, sacrifício ou serviço para manter-se Deus.

O apóstolo Paulo declara firmemente essa verdade. Quando pregou os atenienses, deixou claro para eles que Deus não “é servido por mãos de homens, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas (At 17.25).

Nesse sentido, Agostinho (354–430) reforça que “nenhum ser que foi feito do nada pode estar no mesmo nível que Deus, nem pode sequer existir, se não tivesse sido feito por Ele”.³ A criação não acrescenta nada a Deus. Ele é, por essência, completamente pleno e perfeito em Si mesmo. Isso nos traz um ensino valioso sobre a verdadeira adoração.

A Asseidade como Base da Adoração

Compreender a doutrina da asseidade nos leva à humildade e reverência diante do Criador. Ao reconhecermos que Deus não precisa de nós, e que mesmo assim nos criou por Sua livre e amorosa vontade, percebemos que a adoração cristã não é um favor prestado a Deus, mas uma resposta justa à Sua glória autoexistente.

Diante de tal verdade, o apologista cristão Matetes (c. 130 d.C.) ironizou as práticas gentílicas de seu tempo, que consistiam em oferecer dádivas a divindades feitas por mãos humanas. Nesse sentido, ele declara:

“Por outro lado, pensando que oferecem coisas a Deus como se Ele precisasse delas, poderiam considerar acertadamente que é um ato de loucura em vez de adoração a Deus. Pois Aquele que fez o céu e a terra, e tudo o que neles há, e dá a todos as coisas das quais precisamos, certamente não exige essas coisas as quais Ele próprio dá aos tais, ao ponto de pensarem em fornecê-las a Ele”.⁴

Devemos, assim, reconhecer que somos meras criaturas, e que devemos guardar nossos pés diante da presença dEle, pois “chegar-se para ouvir é melhor do que oferecer um sacrifício de tolos [...] Que a sua boca não se precipite, nem se apresse o seu coração em pronunciar uma palavra diante de Deus. Porque Deus está nos céus, e você, aqui na terra. Portanto, sejam poucas as suas palavras” (Ec 5.1,2).

CONCLUSÃO


O atributo da asseidade de Deus não é um exercício teológico abstrato, mas uma declaração essencial sobre quem Deus é. Tal doutrina afirma que o Senhor não depende da criação, do tempo, do espaço ou da vontade alheia para existir e ser quem é. Ele é Aquele que é — o EU SOU — eterno, independente, perfeito e glorioso em Si mesmo.

Ao reconhecermos essa verdade, somos levados à adoração genuína, não baseada em barganhas, mas em reverência profunda por Aquele que existe de Si e sustenta todas as coisas. Toda a teologia cristã se ancora nessa rocha sólida: Deus é o fundamento último de tudo o que existe, e Ele existe em Si e de Si mesmo, de forma eterna e imutável.

Christo Nihil Praeponere — A nada dar mais valor que a Cristo


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NOTAS


¹ GEISLER, Norman. Teologia Sistemática Vol 1. CPAD, 2025, p. 595.
² Ibid., p. 598.
³ Ibid., p. 597.
⁴ Ibid., p. 596.

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