O que significa dizer que Deus é um Ser “simples”? Em um mundo onde tudo é fragmentado, composto e sujeito à mudança, a doutrina da simplicidade divina nos confronta com uma realidade absolutamente distinta: Deus é uno, indivisível, imutável e completo em Si mesmo.
Não se trata de simplicidade no sentido de algo “fácil de entender”, nem é simples no sentido de ser “superficial”. Trata-se, porém, de um atributo profundamente metafísico: Deus não possui partes, não é composto e não pode ser dividido. Sua essência é perfeitamente una.
Essa doutrina, embora milenar, é pouco ensinada hoje em dia, mas é fundamental para uma compreensão correta da natureza divina, especialmente no que se refere à imaterialidade de Deus, à Trindade, à imortalidade e à absoluta unidade do seu Ser.
A simplicidade de Deus é também um forte antídoto contra heresias que, ao dividir ou fragmentar a divindade, acabam distorcendo tanto a doutrina da Trindade quanto a adoração verdadeira. Neste estudo, investigaremos essa doutrina à luz das Escrituras e da ortodoxia cristã clássica, abordando também a forma como ela exalta a perfeição e a glória do Deus vivo, único e verdadeiro.
A UNIDADE ABSOLUTA DE DEUS
A simplicidade de Deus começa com Sua unidade. A Bíblia é enfática ao declarar que há um só Deus, que é indivisível e eterno. Essa unidade não é apenas numérica, mas ontológica — refere-se ao fato de que a essência divina não é composta, não admite divisão e nem existe por junção de diversas partes.
No deserto, rumo à Terra Prometida, Moisés declarou de forma solene: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor” (Dt 6.4). Jesus reafirma essa verdade em Marcos 12.29, reiterando que o Senhor é absolutamente único em Sua essência.
Isaías também proclama com ênfase na singularidade de Deus: “Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus” (Is 45.5). E ainda: “Ó Senhor dos Exércitos, Deus de Israel, que habitas entre os querubins; tu és o Deus, tu somente, de todos os reinos da terra; tu fizeste os céus e a terra. [...] para que todos os reinos da terra conheçam que só tu és o Senhor” (Is 37.16,20).
No Novo Testamento, Paulo reitera “que Deus é um só, o qual justificará o circunciso pela fé e o incircunciso por meio da fé” (Rm 3.30). Em 1 Coríntios 8.4-6, o apóstolo reafirma essa unidade absoluta: “Sabemos que o ídolo nada é no mundo, e que não há outro Deus, senão um só. Porque, ainda que haja, também, alguns que são chamados de ‘deuses’, quer no céu, quer na terra (...), todavia, para nós há um só Deus...”
Tiago, irmão do Senhor, também afirma: “Tu crês que há um só Deus? Fazes bem” (Tg 2.19). Essas declarações da unidade de Deus, no entanto, não negam a doutrina Trindade. Pelo contrário, a doutrina da Trindade ensina que há três Pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) que subsistem eternamente na mesma e única essência divina, mas isso não significa que haja três deuses. Deus é um Ser simples.
Ou seja, há uma pluralidade de pessoas dentro de uma indivisível unidade de substância (essência).
Agostinho (354–430), ao refletir sobre o tema, afirmou que “a Trindade é um só Deus. E, embora seja uma Trindade, é simples. Pois, não dizemos que a natureza deste bem é simples, porque só o Pai compartilha dela, ou só o Filho, ou só o Espírito Santo. [...] Esta Trindade é indivisível, e cada uma das Pessoas é substancial, embora não haja três deuses, mas somente um.”¹
Essa verdade sustenta a simplicidade divina: Deus não é composto por três partes que formam um todo. Cada Pessoa da Trindade é plenamente Deus e compartilha da mesma essência simples, indivisível e eterna. Deus não apenas tem unidade, Ele é unidade absoluta.
A IMATERIALIDADE DE DEUS
A simplicidade de Deus também é fundamentada em Sua imaterialidade. Seres materiais são, por definição, compostos: possuem extensão, forma, partes internas e externas. Um corpo pode ser dividido, alterado, destruído. Mas Deus é Espírito — e, como tal, não possui corpo, partes ou mesmo matéria.
Jesus afirmou de forma clara e direta que “Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24). Ainda, noutra passagem, ensinou que “um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.39).
Portanto, sendo espírito, Deus é inteiramente simples, imaterial e indivisível. Ele não tem forma física, não necessita de espaço como os seres criados, e não é composto por diversas partes. Neste mesmo sentido, Tomás de Aquino (1225–1274) comenta que:
“Não há composição ou partes quantitativas em Deus, visto que Ele não é corpo; nem há composição de forma e matéria em Deus; nem a sua natureza difere da sua substância; nem a sua essência, da sua existência; nem há nEle composição de gênero e diferença, nem matéria e acidente. Está claro, portanto, que de forma alguma Deus é composto, mas é completamente simples.”²
A Escritura também afirma que “Deus nunca foi visto por ninguém” (Jo 1.18), e Paulo complementa que Deus é “o único que possui a imortalidade, que habita em luz inacessível; a quem homem algum jamais viu, nem é capaz de ver” (1 Tm 6.16). Afinal de contas, Deus é invisível (cf. 1 Tm 1.17).
Todavia, Cristo “é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação” (Cl 1.15). Além disso, “as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder como a sua divindade, se entendem e claramente se veem pelas coisas que estão criadas” (Rm 1.20).
Portanto, a imaterialidade de Deus é um pilar para entendermos por que Ele é incorruptível, eterno, invisível e completamente distinto da criação. Ele é Espírito puro — sem partes, sem mistura e sem mudanças, ou seja, é absolutamente simples.
A IMORTALIDADE INTRÍNSECA DE DEUS
Deus é imortal. Mas mais do que isso, Ele é o único Ser que possui a imortalidade em si mesmo. A imortalidade dos seres humanos é derivada e concedida por Deus. A de Deus, porém, é intrínseca, essencial e necessária.
O apóstolo Paulo escreve: “Ao Rei eterno, imortal, invisível, Deus único, honra e glória pelos séculos dos séculos. Amém” (1 Tm 1.17). Ainda na mesma epístola, ele declara que Deus é “Aquele que tem, Ele só, a imortalidade e habita na luz inacessível...” (1 Tm 6.16).
Essa distinção é fundamental, pois o ser humano pode ser tornado imortal, mas Deus não pode deixar de sê-lo. Sua simplicidade o torna imune à corrupção, à deterioração ou à extinção. Tudo o que tem partes pode ser decomposto e desfeito — mas Deus, por ser simples, não pode ser destruído e nem dividido.
João Calvino (1509–1564) observa, por exemplo, que “a partir do poder de Deus somos naturalmente levados a considerar a sua eternidade, visto que disso todas as outras coisas derivam; a sua origem tem de ser necessariamente autoexistente e eterna.”³
A imortalidade de Deus está, assim, intrinsecamente ligada à Sua simplicidade. Sendo indivisível e sem partes, Ele não está sujeito a perecer. Por isso, Ele vive para sempre, com vida plena, perfeita e infinita em si mesmo. Como está escrito, “assim como o Pai tem vida em si mesmo, assim também deu ao Filho ter vida em si mesmo” (Jo 5.26).
A PURA REALIDADE DE DEUS
A simplicidade de Deus também se manifesta na Sua pura realidade. Ele é o único Ser que existe de forma necessária e não contingente. Ele não pode não existir. Sua existência não é causada nem derivada de qualquer outra coisa. Ele simplesmente é.
Quando Moisés perguntou o nome de Deus, Ele respondeu: “EU SOU O QUE SOU” (Êx 3.14). Esse tipo de declaração revela um Deus que é autoexistente, eterno, e imutável. Jesus aplica essa linguagem a Si mesmo em João 8.58: “Antes que Abraão existisse, EU SOU.”
Segundo a Sagrada Escritura, entendemos que Deus é a Causa não-causada de tudo o mais que existe, o fundamento de toda a realidade. O tempo, espaço, matéria e vida tem sua origem n’Ele, o Criador Incriado, o Deus eterno, imutável e necessário. Caso queira saber mais acerca do atributo da pura realidade de Deus, clique aqui.
CONCLUSÃO
A doutrina da simplicidade de Deus é um dos fundamentos mais profundos da ortodoxia cristã. Ela nos lembra que Deus não é como nós: não é composto, não é limitado, não é passível de divisão ou corrupção. Ele é absolutamente um, imaterial, imortal e eternamente real. Conhecer essa verdade é um convite à adoração reverente.
Um Deus que não pode ser dividido é um Deus que não muda, não falha e nem se contradiz. Ele é sempre fiel, sempre justo, sempre amoroso — e o é em plenitude, não por partes ou meros momentos. Como disse Anselmo (1033–1109): “A Natureza suprema de forma alguma é composta, mas é supremamente simples, supremamente imutável, pois sua eternidade, que é nada mais que ela mesma, é imutável e sem partes. Em resumo, é evidente que esta Substância é sem começo e sem fim.”⁴
Como tal, Deus não tem partes temporais ou materiais pelas quais Ele possa ser dividido ou destruído. Entender a simplicidade divina é, portanto, crer em um Deus confiável, perfeito e absolutamente digno de toda glória e louvor. Que essa doutrina possa nos levar à humildade, ao temor e à esperança em um Deus que é único e eternamente o mesmo.
Christo Nihil Praeponere — A nada dar mais valor que a Cristo
IMPORTANTE: Se este site tem abençoado sua vida, considere fazer uma doação de R$ 1,00. Todo recurso, por menor que seja, faz uma grande diferença e nos ajuda a cobrir os custos de manutenção e expansão deste projeto (cf. Gl 6.6).
Banco: Sicoob. Nome: Rodrigo H. C. Oliveira.
Pix: doacaosabedoriabiblica@gmail.com
NOTAS
¹ GEISLER, Norman. Teologia Sistemática Vol 1. CPAD, 2025, p. 786.
² Ibdi., p. 669.
³ Ibdi., p. 779.
⁴ Ibdi., p. 585.
Comentários
Postar um comentário