Pular para o conteúdo principal

BÍBLIA HEBRAICA, SEPTUAGINTA E BÍBLIA CATÓLICA: ENTENDA AS DIFERENÇAS

Bíblia aberta. Luz sai de dentro dela, ilustrando revelações, conhecimento e sabedoria.
No artigo anterior destacamos que a Bíblia é uma coleção de 66 livros que se assemelha a uma pequena biblioteca (para saber mais, clique aqui). Todos esses livros foram inspirados pelo Espírito Santo e sua divisão reflete dois pactos importantes, o Antigo e o Novo Testamento, com 39 e 27 livros cada, respectivamente.

Além disso, esses livros estão organizados tematicamente, como exploraremos mais adiante. Neste estudo, entenderemos o que significa um "testamento" e o contexto histórico e teológico dessas coleções sagradas.

O SIGNIFICADO DE TESTAMENTO


Na tradição bíblica, a palavra "testamento" carrega um profundo significado teológico e espiritual. No hebraico bíblico, usa-se a palavra "bə·rî·ṯî" (heb. בְּרִיתִ֖י), que significa "concerto", "pacto" ou "aliança".

A primeira menção deste termo na Bíblia ocorre em Gênesis 6.18: "Mas contigo estabelecerei o meu pacto...". Este "pacto" representa um acordo formal e solene entre Deus e a humanidade, simbolizando compromisso e proteção divinos.

No grego, o termo equivalente é "diathēkē" (gr. διαθήκῃ), também com o significado de "concerto", "aliança", "compromisso" e "testamento". Nos dois casos, "testamento" denota a relação especial entre Deus e Seu povo.

Assim, o "Antigo Testamento" refere-se ao concerto que Deus fez com Israel, principalmente por meio de Moisés, no Monte Sinai, enquanto o "Novo Testamento" refere-se à nova aliança que Cristo estabeleceu através de Sua morte e ressurreição.

Algumas pessoas criticam a terminologia de "Antigo" e "Novo", considerando que isso possa sugerir que o pacto original é obsoleto. No entanto, a própria Bíblia usa esses termos. Em II Coríntios 3.14, Paulo menciona o "Velho Testamento", e em Hebreus 9.15, o escritor se refere ao "Novo Testamento", enfatizando que, com Cristo, uma nova e melhor (Hb 7.22) aliança foi inaugurada.

Em Hebreus 8.13 o pacto anterior é considerado "velho" em comparação à nova aliança, que foi selada com o sangue de Jesus, enquanto que o antigo pacto foi firmado com sangue de animais.

No entanto, é preciso diferenciar o uso do termo "Antigo Testamento" no sentido geral e específico.

A "Antiga Aliança" refere-se ao pacto específico com Moisés e a Lei; já a designação "Antigo Testamento" como uma referência geral a todos os livros da Bíblia Hebraica é uma construção histórica e teológica, desenvolvida principalmente na era patrística. Teólogos como Tertuliano e Orígenes foram os primeiros a adotar essa nomenclatura, distinguindo as duas alianças e as Escrituras que as representam.

A BÍBLIA HEBRAICA E O TANAKH


O que os cristãos chamam de Antigo Testamento é, para os judeus, a Bíblia Hebraica. Como o judaísmo não considera Jesus o Messias, eles não aceitam uma "Nova Aliança" e não enxergam a Lei de Moisés como "Antiga". Denominam a Bíblia Hebraica de TANAKH, um acrônimo que representa suas três divisões: Torá (Lei), Nevi'im (Profetas) e Ketuvim (Escritos).

  1. Torá (Lei): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio – o conjunto fundamental das instruções de Deus dadas a Moisés.

  2. Nevi'im (Profetas): Inclui os Profetas Anteriores (Josué, Juízes, Samuel e Reis) e os Profetas Posteriores (Isaías, Jeremias, Ezequiel e os Doze Profetas Menores).

  3. Ketuvim (Escritos): Uma coleção variada que inclui Salmos, Provérbios, Jó, Cantares, Ester e outros escritos poéticos e narrativos, como Daniel, Esdras, Neemias e Crônicas.

Essa divisão tripartida da Escritura foi mencionada pelo próprio Senhor Jesus em Lucas 24.44: "São estas as palavras que vos disse estando ainda convosco: convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na Lei de Moisés, e nos Profetas, e nos Salmos." 

Ao dizer isso, Jesus se refere a todos os livros da Bíblia Hebraica, desde o Gênesis até o profeta Malaquias. Os Salmos, por serem o primeiro livro do grupo dos "Escritos", representam essa última seção.

A Bíblia Hebraica possui 22 livros, uma contagem que pode parecer intrigante, visto que a Bíblia cristã tem 39 livros no Antigo Testamento. Esta diferença se deve a um modo distinto de agrupar os livros: I e II Reis, I e II Crônicas e I e II Samuel são considerados como um só livro cada.

Outros exemplos incluem Juízes e Rute, que são combinados em um só volume, e Jeremias com Lamentações. Embora a organização seja diferente, o conteúdo é idêntico.

A SEPTUAGINTA (LXX)


A Septuaginta, comumente abreviada como LXX, foi a primeira tradução da Bíblia Hebraica para o grego, realizada por ordem do rei Ptolomeu II Filadelfo, que governou o Egito e a Palestina entre 285 e 246 a.C. Ptolomeu queria que sua famosa biblioteca em Alexandria tivesse uma cópia de cada livro existente no mundo conhecido, incluindo as Escrituras Judaicas.

A tradição nos conta que ele enviou um pedido ao sumo sacerdote Eleazar em Jerusalém para enviar 72 estudiosos, que foram incumbidos de traduzir o texto hebraico para o grego. Embora o número exato de tradutores seja debatido, essa versão ficou conhecida como Septuaginta – do latim para "setenta" – e foi amplamente usada pelos judeus de língua grega e, mais tarde, pelos cristãos gentios.

A Importância da Septuaginta:

A Septuaginta foi de grande importância, pois o grego era a língua franca da época, muito parecido com o inglês nos dias atuais. Por isso, era essencial que a Bíblia estivesse acessível aos gentios, que adotaram a versão grega das Escrituras Hebraicas. Além disso, a Septuaginta introduziu uma nova organização bíblica:

  1. Livros da Lei 
  2. Livros Históricos 
  3. Livros Poéticos 
  4. Livros Proféticos

Essa estrutura temática, em vez da divisão tripartida do Tanakh, influenciou a disposição dos livros nas Bíblias cristãs que utilizamos hoje.

O Problema dos Apócrifos:

A Septuaginta incluía alguns livros que nunca foram aceitos no cânon judaico. Estes livros são conhecidos na tradição protestante como "apócrifos" e incluem:

- I Esdras, Judite, Tobias, I-IV Macabeus, Odes, Sabedoria, Eclesiástico (que não deve ser confundido com Eclesiastes), Salmos de Salomão, Baruque e acréscimos no livro de Daniel.

Esses livros foram aceitos por algumas comunidades cristãs e integrados na Bíblia Católica, mas foram excluídos do cânone protestante após a Reforma. Jerônimo, o tradutor da Vulgata Latina, incluiu esses livros na sua tradução, mas com a ressalva de que eles não faziam parte do cânon hebraico.

Contudo, a aceitação desses livros variou ao longo dos séculos, até que o Concílio de Trento, no século XVI, oficializou sua inclusão na Bíblia Católica.

A BÍBLIA CATÓLICA


A Bíblia Católica, diferentemente das Bíblias protestantes, contém 73 livros. Esses livros extras, chamados "deuterocanônicos" pelos católicos e "apócrifos" pelos protestantes, incluem sete livros completos e alguns acréscimos em livros como Daniel e Ester.

Os livros deuterocanônicos são:

- Tobias, Judite, I e II Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico (não confundir com Eclesiastes) e Baruque.

Além disso, a disposição dos livros na Bíblia Católica tem algumas peculiaridades. Por exemplo, os livros de I e II Samuel são denominados I e II Reis, enquanto Esdras e Neemias são referidos como I e II Esdras. A inclusão desses livros extras e as diferenças na organização refletem as tradições e debates que ocorreram ao longo dos séculos sobre quais textos deveriam compor o cânon sagrado.

Exploraremos em mais detalhes, nas próximas lições, o motivo pelo qual esses livros são rejeitados pelas igrejas protestantes e o processo de canonização.

CONCLUSÃO


Nesta lição, discutimos o conceito de Testamento, a organização e o conteúdo da Bíblia Hebraica e o impacto das traduções da Septuaginta e da Vulgata no desenvolvimento do cânon cristão. Embora a Bíblia Hebraica e o Antigo Testamento protestante possuam o mesmo conteúdo, há diferenças na estrutura e organização dos livros.

A classificação temática predominante na maiorias das versões bíblicas atuais é fruto direto do agrupamento realizado pela Septuaginta e mantido pela Vulgata Latina.

No entanto, importantes questões permanecem: Quem tem autoridade para definir o cânon do Antigo Testamento? Por que os protestantes rejeitam os apócrifos? E o que significa "deuterocanônico"? Exploraremos essas perguntas em artigos futuros.

Christo Nihil Praeponere - “A nada dar mais valor que a Cristo”


Obs: Se este site tem abençoado sua vida, considere fazer uma doação de R$ 1,00. Todo recurso, por menor que seja, faz uma grande diferença e nos ajuda a cobrir os custos de manutenção e expansão deste projeto. 

Banco: Sicoob. Nome: Rodrigo H. C. Oliveira. Pix: doacaosabedoriabiblica@gmail.com

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O ARREPENDIMENTO DE DEUS: UMA REFLEXÃO BÍBLICA E TEOLÓGICA

O conceito de arrependimento, quando atribuído a Deus, frequentemente gera dúvidas e questionamentos. Afinal, como um Deus imutável pode "se arrepender"? As Escrituras apresentam diversos momentos em que Deus é descrito como tendo se arrependido, como no caso do Dilúvio ou na rejeição de Saul como rei. Por outro lado, a Bíblia também afirma que Deus não é homem para se arrepender. Como conciliar essas ideias sem contradizer a essência divina? Neste estudo, analisaremos profundamente o significado do arrependimento divino, distinguindo entre a imutabilidade de Deus em Seu caráter e as mudanças em Suas interações com a humanidade. Por meio de exemplos bíblicos, compreenderemos como o comportamento humano pode influenciar a aplicação dos atributos de Deus, levando à manifestação de juízo ou misericórdia. TEXTO-BASE Gênesis 6.6,7 Então, arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra, e pesou-lhe em seu coração. E disse o Senhor: Destruirei, de sobre a face da terra,...

A PARÁBOLA DO SEMEADOR: LIÇÕES DOS 4 TIPOS DE SOLOS

A Parábola do Semeador , narrada por Jesus, é uma das mais conhecidas e profundas de seu ministério. Mais do que uma simples história, ela apresenta verdades espirituais fundamentais sobre a maneira como os corações humanos respondem à Palavra de Deus. Podemos encontrá-la em três dos quatro evangelistas: em Mateus (13.3-9), Marcos (4.3-9) e Lucas (8.4-15). Isso, por si só, demonstra sua alta relevância para nós. Neste estudo, exploramos os detalhes dessa parábola, analisando os quatro tipos de solo apresentados nela. Cada solo simboliza uma condição espiritual, desafiando-nos a refletir sobre o estado de nosso coração e nossa disposição em receber a mensagem divina. Em cada seção, veremos não apenas o significado espiritual, mas também as lições práticas que podem transformar nossa caminhada cristã. Que esta jornada nos leve a cultivar corações férteis, prontos para produzir frutos abundantes para o Reino de Deus. TEXTO-BASE Mateus 13.3-9 Eis que o semeador saiu a semear. E, quando...

PEDRO É O FUNDAMENTO DA IGREJA? O QUE A BÍBLIA ENSINA?

Quem é o verdadeiro fundamento da Igreja? Essa é uma das questões que divide católicos e protestantes há séculos. Enquanto a Igreja Católica Romana defende que o apóstolo Pedro é a pedra sobre a qual Cristo edificou sua Igreja, os evangélicos entendem que essa interpretação não se sustenta biblicamente. Mas, afinal, quando Jesus disse: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16.18), Ele estava realmente estabelecendo Pedro como a base da Igreja? É o que veremos neste estudo. A INTERPRETAÇÃO CATÓLICA DE MATEUS 16.18 A Igreja Católica Romana baseia-se na passagem de Mateus 16.16-19 para afirmar que Pedro foi instituído por Cristo como a pedra fundamental da Igreja. Segundo essa interpretação, a autoridade concedida a Pedro teria sido transmitida de forma contínua aos seus sucessores, os bispos de Roma, estabelecendo assim o papado. O raciocínio católico pode ser resumido da seguinte forma: Pedro é a rocha sobre a qual a Igreja foi edificada; A Pedro foram entregu...