O livro de Números muitas vezes é negligenciado pelos leitores modernos devido à sua combinação de genealogias, listagens e relatos de peregrinações. Porém, trata-se de uma das obras mais ricas do Antigo Testamento em termos de lições espirituais e teológicas essenciais à formação da fé cristã.
Seu nome na Bíblia Hebraica é Bemidbar, que significa “No Deserto” — um título apropriado para um livro que retrata a caminhada do povo de Israel entre o Sinai e a Terra Prometida.
A designação “Números” vem da Septuaginta, a primeira tradução do Antigo Testamento hebraico para o idioma grego, e isso se deve aos dois censos realizados nos capítulos 1–3 e 26 do livro. No entanto, mais do que uma simples contagem de homens, o livro trata do preparo espiritual necessário para que o povo possa entrar na Terra Prometida a Abraão.
Em meio a murmurações, quedas e juízos, Deus se revela como fiel, justo e misericordioso, conduzindo Seu povo mesmo quando eles falham em relação a Ele. Assim, esse livro inspirado pelo Espírito Santo é, em verdade, uma poderosa advertência contra a incredulidade e um chamado à confiança plena no Senhor, o Criador dos Céus e da Terra.
AUTORIA E DATA
A autoria do livro de Números é atribuída a Moisés, o grande líder e legislador de Israel, que também é apontado como o responsável pela escrita de todo o Pentateuco. Essa atribuição é apoiada por uma série de evidências bíblicas, teológicas e históricas:
Em primeiro lugar, expressões como “o Senhor falou a Moisés” e “o Senhor disse a Moisés” aparecem mais de 60 vezes neste livro (cf. Nm 1.1; 2.1; 3.5; 9.1 etc.), o que aponta para um envolvimento direto de Moisés na escrita.
Em segundo lugar, observamos em João 5.46–47 que o próprio Senhor Jesus também reconhece Moisés como autor dos livros da Lei: “Porque, se crêsseis em Moisés, creríeis em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Mas, se não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?”.
Em terceiro lugar, a autoria mosaica é sustentada tanto pela tradição judaica quanto cristã.
Desafios à Autoria Mosaica
A partir do século XVIII, no entanto, surgiram alguns estudiosos defendendo a chamada hipótese documental, sugerindo que o Pentateuco teria sido formado por várias tradições literárias diferentes. Porém, não há provas arqueológicas ou textuais conclusivas que possam invalidar a autoria de Moisés.
Além disso, a unidade temática e teológica dos Livros da Lei reforça que Números foi composto com coerência por uma única liderança espiritual. Para uma discussão mais abrangente e detalhada do assunto, clique aqui.
Data de Composição
O livro foi escrito provavelmente entre 1440 e 1405 a.C., durante os anos de peregrinação no deserto após o Êxodo do Egito. Ele se conecta diretamente ao livro de Êxodo e prepara o leitor para os discursos finais de Moisés em Deuteronômio. Ao final de Números, o povo de Israel já se encontra nas planícies de Moabe, às portas da Terra Prometida.
PÚBLICO-ALVO
O livro foi inicialmente dirigido aos filhos de Israel, especialmente à nova geração que sobreviveria à peregrinação no deserto e entraria na terra de Canaã. Ele serve como um registro histórico e espiritual com os seguintes destaques:
- Ensina as gerações futuras sobre os erros da geração anterior;
- Reafirma a fidelidade de Deus em preservar e conduzir Seu povo; e
- Estabelece princípios de ordem, liderança, santidade e culto em uma estrutura tribal.
Todavia, também compreendemos a partir do Novo Testamento que as experiências vividas por Israel no deserto são, em verdade, tipos e sombras de princípios espirituais que se aplicam à Igreja de Jesus Cristo nos dias de hoje. Trata-se, portanto, de um livro atual e essencial também dirigido à comunidade cristã.
O PROPÓSITO DO LIVRO DE NÚMEROS
Números, muito embora possua um conteúdo histórico, nos revela também uma mensagem profundamente espiritual. Cada narrativa, cada instrução e cada juízo revelam ainda mais acerca do caráter de Deus e dos perigos da nossa incredulidade. Vejamos, então, seus principais objetivos:
- Demonstrar os perigos da incredulidade. Apesar de Deus ter libertado Israel do Egito com mão forte, o povo não entrou na Terra Prometida de imediato por causa de sua desconfiança e rebeldia. Em Números 13–14, após o relatório dos 12 espias, a incredulidade se apoderou do povo que acabou por rejeitar o plano de Deus e, como consequência, aquela geração foi condenada a morrer no deserto.
A aplicação é clara: “sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11.6). Além disso, é afirmado claramente que eles não puderam entrar em Canaã “por causa da sua incredulidade” (Hb 3.19). - Expor as murmurações e sua consequência. Números é marcado por uma sequência de queixas, revoltas e ingratidão: No capítulo 11 o povo reclama da comida; no 12 Miriã e Arão murmuram contra Moisés; no 16 Corá, Datã e Abirão se rebelam; no 21 mais murmurações que, desta vez, são punidas com serpentes abrasadoras. Essas narrativas nos ensinam que a murmuração é um sinal claro da incredulidade e rebelião contra Deus (Fp 2.14; 1 Co 10.9,10).
- Reforçar a justiça e misericórdia de Deus. Deus pune o pecado com justiça, mas também oferece cura e provisão: Em Números 21.4–9 encontramos o episódio da serpente de bronze que é levantada como meio de cura para os que cressem. Em João 3.14,15 Jesus aplicou esse episódio a Si mesmo demonstrando que a fé na obra que Ele realizou na cruz também nos traria cura espiritual.
- Mostrar que Deus levanta novas gerações. Os dois censos (Nm 1–3 e Nm 26) revelam que a geração incrédula foi substituída por outra geração que tem fé. Deus não abandona Seu propósito, mesmo quando os homens falham com Ele. Se fracassarmos para com Deus, Ele levantará outra geração a fim de cumprir os Seus desígnios. Lembre-se: Nenhum de nós é insubstituível.
- Preparar Israel para a conquista de Canaã. Números termina com o povo organizado, purificado e pronto para tomar posse da Terra Prometida. A legislação sobre o voto do Nazireado, os levitas, a marcha tribal, os sacrifícios e as festas mostram que a preparação espiritual precede a vitória material. Nossa confiança, portanto, precisa estar alicerçada no Senhor dos Exércitos.
A RELEVÂNCIA DE NÚMEROS NO NOVO TESTAMENTO
O Novo Testamento cita ou alude ao livro de Números cerca de 20 vezes, demonstrando sua importância doutrinária e simbólica.
Nos Evangelhos – O apóstolo faz referência à serpente de bronze que prefigura a cruz de Cristo (Jo 3.14). João 6.31-35 também ressalta que o maná do deserto apontava para Jesus, o verdadeiro pão vivo que desceu do céu. Em Mateus 9.36 Jesus vê as multidões como “ovelhas sem pastor”, ecoando o texto de Números 27.17.
Em Atos dos Apóstolos – Os princípios de liderança e separação tribal e sacerdotal servem de base para o cuidado e organização da Igreja.
Nas Epístolas Paulinas – Paulo utiliza o exemplo de Israel no deserto como advertência à Igreja: “E essas coisas foram-nos feitas em figura, para que não cobicemos as coisas más, como eles cobiçaram” (1 Co 10.6). Também há referência à rocha da qual os israelitas bebiam (1 Co 10.4).
Na Epístola aos Hebreus – Encontramos a representação do deserto como símbolo da peregrinação cristã neste mundo. A entrada em Canaã representa o descanso eterno. Os israelitas não entraram por incredulidade; logo, também devemos cuidar para que não haja em nós um “coração mau e infiel” semelhante ao deles (Hb 3.12).
Em Pedro, Judas e Apocalipse – O pecado de Balaão (Nm 22–24) é citado em 2 Pedro 2.15, Judas 1.11 e Apocalipse 2.14 como alerta contra a ganância e a distorção da verdade. De forma semelhante, a rebelião de Corá também é lembrada como símbolo de oposição à autoridade de Deus, tendo como consequência o juízo.
CONCLUSÃO
Números é muito mais do que um registro de peregrinação — ele é um espelho da caminhada do cristão entre o Egito da escravidão espiritual e a Canaã da promessa de descanso. Nele aprendemos que o Deus que julga também é o Deus que sustenta; embora a incredulidade nos impeça de experimentar as promessas de Deus, a despeito de nós, Deus sempre permanece fiel.
Jesus é a rocha ferida que nos dá água viva, é o pão do céu que alimenta nossa alma, é a cura espiritual figurada pela serpente de bronze e é Aquele que traz vida aos que O contemplam com fé. Em nossas próprias jornadas pelo “deserto” desta vida, o livro de Números nos chama a abandonar a murmuração, viver em obediência e perseverar na fé, olhando firmemente para o prêmio da soberana vocação em Cristo Jesus.
Que “o Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti; o Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz” – Números 6.24–26
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